Perguntaram-me numa escola em Brasília : “Como se faz um bom livro?” Eu sorri, sala cheia, jovens de 20 anos. Sabia de cor a resposta de Somerset Maugham: “Há três regras para se escrever um bom livro. Infelizmente, ninguém sabe quais são.” Porque escrever não tem receita. Tem inspiração sim. Mas tem muito trabalho. “Transpiração”, disciplina. Há que começar a faina diária mal rompe a aurora. Todos os dias, todos. E ler, muito. Reler. Ler mais. Sempre. Até o último suspiro. Se pararmos de ler, vamos morrer.
O aprendizado da escrita é misterioso. “O processo de aprender a escrever é desanimador porque é inexplicável”, afirma Alberto Manguel. Ele complementa: “A leitura é uma atividade pela qual os governos sempre manifestaram um limitado entusiasmo”.
É claro. A leitura abre os espíritos. A literatura “revela”. A verdade liberta. Com ela no seu coração, você não votaria mais por ter recebido uma esmola, um saco de cimento ou algumas telhas. Ler sempre incomoda os ditadores, os napoleões tupiniquins, desagrada os poderosos, os idiotas e medíocres de plantão. E, no geral, eles estão nos órgãos ditos culturais, com o seu vasto número de funcionários entediados, seus burocratas mesquinhos e seus lanches vespertinos, suas panelinhas burlescas, que querem camuflar o seu enorme vazio com roupas chics ou retóricas e preciosismos. Não enganam. Não adianta. São figuras que merecem a piedade. Serão varridos por qualquer vento sul. Podem receber prebendas, se acham “sérios”, às vezes assinam colunas diárias. Mas serão sempre figuras menores: aquelas que morrerão sem a solidariedade de si mesmas.
Manguel lembra que Pinochet proibiu Dom Quixote, de Cervantes. Lógico, o leitor lendo Quixote descobriria a alma nazista do facínora sanguinário que foi o ditador chileno, uma besta do Apocalipse sul-americano.
Penso no que disse um republicano espanhol (pai de um escritor) que passou muitos anos numa prisão política: “Até na cadeia vocês serão mais felizes, se gostarem de ler.”
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