Muito
provavelmente num dia quente e ensolarado, pois assim costuma ser neste mês,
nasce em 18 de fevereiro de 1924, em Maceió, capital do Estado de Alagoas, uma
criança que muito orgulho dará a alguns de seus coestaduanos. Digo alguns,
porque suas palavras honestas, firmes e contestadoras causaram ódio e desprezo
à elite vil de Alagoas.
Filho
de Floriano Ivo e Eurídice Plácido de Araújo Ivo, o menino Lêdo Ivo, que logo
se tornaria um dos maiores representantes da Literatura Brasileira, aos vinte
anos estreia com As imaginações, livro de poesia de 1944. No ano
seguinte, lança Ode e Elegia, recebendo o Prêmio Olavo Bilac da
Academia Brasileira de Letras. E assim teve início a belíssima carreira
literária de um mestre, que foi contista, ensaísta, cronista, romancista e,
sobretudo, poeta, um fantástico poeta.
Em
1940, depois de ter feito o primeiro e segundo graus em sua cidade natal,
transfere-se para Recife onde participa em 1941 do I Congresso de Poesia do
Recife. Em 1943, o autor de Ninho de Cobras se muda novamente, desta vez
para a cidade do Rio de Janeiro. Ali se matricula na Faculdade Nacional de
Direito do Brasil. Paralelo às atividades na faculdade, passa a colaborar em
suplementos literários e a trabalhar como jornalista profissional na imprensa
carioca.
Em
1949, forma-se em Direito, nunca exercendo a profissão. Prefere continuar no
jornalismo. Dois anos antes estreia como romancista com Alianças e
recebe o Prêmio da Fundação Graça Aranha pela obra. Ano também em que pronuncia
no Museu de Arte Moderna de São Paulo a conferência “A geração de 1945”.
O
romance Ninho de cobras é publicado em 1973, mas Lêdo Ivo não ousava
chamá-lo de romance, referindo-se às atuais “circunstâncias que vivemos num
tempo estético marcado pela emergência de gêneros ou textos híbridos, sem
nome”. E continua: “Escrevi uma história mal contada, como as narram os
ciganos e ladrões de cavalos de minha terra natal.” Havia na época razões de
sobra para que usasse essa técnica de narrativas partidas e colisivas, pois foi
escrita “... numa época de ditadura e, por sua vez, se situava também,
historicamente, numa outra ditadura, a do Estado Novo de Getúlio Vargas”. Tudo
acontece num mundo de terror e perseguição, em que nunca se sabe a verdade.
Essa técnica se ajustava ao clima estético de então, período de ditadura, onde
a dubiedade, a fragmentação do texto sempre refletia que “... o deslocamento
dos pontos de vista e os focos narrativos abalaram para sempre a austera
linearidade do romance praticado nos últimos séculos”.
Personagem
principal de Ninho de cobras, a raposa fora baseada numa memória de
infância do autor, quando presenciou, no sítio onde morava, o assassinato de
uma raposa, acusada, supostamente, de roubar galinhas, e morta a pauladas.
Dando-lhe desde menino, diante deste episódio, consciência para melhor observar
as injustiças e perseguições. A cena fica em sua memória para posteriormente
voltar num dos poemas de Finisterra (Prêmio
Luísa Cláudio de Sousa — poesia — do PEN Clube do Brasil, Prêmio Jabuti, da
Câmara Brasileira do Livro, Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal e
Prêmio Casimiro de Abreu do Governo do Estado do Rio de Janeiro). No texto, a raposa
retorna da floresta e faz sua aparição.
A manhã raiante se manchava
Do sangue escuro da raposa
Morta no chão memorável.
A
raposa perambula pelas ruas de Maceió e é “novamente” morta a pauladas por
policiais. As críticas que surgiram após a publicação revelam que a obra é
sempre ambígua e controversa, e marcada pelo espírito dos escritores
nordestinos que vivem num país dividido entre a riqueza e a miséria. E cito
mais uma vez o autor de Ninhos de cobras analisando sua
própria obra: “... nós, romancistas do Nordeste, denunciadores incômodos e
incorrigíveis da pobreza e da injustiça, dos pesadelos e das calamidades,
sempre nos distinguimos de nossos confrades do Centro e do Sul pelo nosso ar de
estrangeiros, de emissários dessa interminável Oriente que é a nossa terra
natal.”
O
espírito alegre, honesto, espirituoso e ao mesmo tempo combativo e justo nunca
deixou o nobre alagoano. O que ficou claro em um dos seus últimos discursos durante uma reunião da Academia
Brasileira de Letras, em 4 de
agosto de 2011. Lêdo Ivo leu aos colegas um libelo, um manifesto contra
a inquietação da plateia promovida por seu desafeto, o também imortal Eduardo Portella, durante um discurso que fez dias antes, numa conferência
em homenagem a Gonçalves de
Magalhães. Encerrou seu
pronunciamanto citando Lucrécio: “É doce envelhecer de alma honesta.”
O
Brasil perde seu ilustre filho, mas, sem dúvida alguma, é Alagoas que mais
sofre, por perder tão nobre, alegre e combativo filho, num momento em que o
Estado passa por tamanha necessidade de homens com tal bravura e suprema
honestidade, como foi, e ainda é o imortal Lêdo Ivo.
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*Daniel
Barros, escritor alagoano, reside em Brasília. É autor de O
Sorriso da Cachorra (Thesaurus, 2011).
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