Marco
Aqueiva é aquela espécie de poeta contemporâneo que atinge um tipo de
individualidade desbravando a floresta de símbolos das dicções de tradições
diversas. Este desbravamento criativo lhe possibilita conquistar aquele grau de
escritura que a melhor tendência atual busca realizar: não le degré zéro de
l'écriture (ao menos da forma como é propalado), mas o equilíbrio visceral entre
razão e emoção, entre a especificidade "autônoma" da poesia e sua
complexa abertura ao mundo, como acha necessário um filósofo e escritor
contemporâneo de ponta como Michel Deguy. A partir desta ótica, Marco Aqueiva
me parece se comportar como o poeta a que Antonio Cícero alude: "o poeta
necessita pôr em seu jogo, até onde não possa mais ir, todos os recursos de que
dispõe: todo seu intelecto, sua sensibilidade, sua intuição, sua razão, sua
sensualidade, sua experiência, seu vocabulário, seu conhecimento, seu senso de
humor etc. (CICERO, Poesia e Filosofia, 2012).
Em
"O Azul versus o Cinza", assim posto, o agenciamento cabralino
concreto não pretende abusar do ofuscamento lírico nem novamente extenuar
procedimentos muito nítidos desta tradição. Em Marco Aqueiva existe uma espécie
de comedimento (excetuando momentos deliberadamente paródicos), que é o de
procurar absorver as tradições sem pretender extenuar os procedimentos típicos
delas. Ele dosa os procedimentos em nome de uma composição digna da diferença
(a diferença na contemporaneidade é que é digna, pois a originalidade
permaneceu já no discurso da narrativa ortodoxa da modernidade e em sua
consequentemente autofágica religião do futuro, segundo conceito de Compagnon).
O minimalismo, por sua vez, convive com poemas de maior fôlego, mostrando que
as extensões rítmicas do mundo são múltiplas e que o pulmão precisa de mais ar
para sobreviver aos momentos mais concentrados. É o mundo pulsante, múltiplo,
diverso em si mesmo que assume sua presença nas composições e, assim, é
novamente aberto por elas. E neste mundo aberto (e também fechado em sua
complexidade referencial de abertura) ora há "música" às vezes. Uma
"música" que chega a flertar com a dos simbolistas, mas não atinge a
situação de evanescência, que não é o intuito da poética aqueiviana.
A
poesia de Marco Aqueiva é isto: pau é pau, pedra é pedra, mas também pau é
pedra ou pedra é pau, e a pedra é azul. A pedra azul. Por esta nem Novalis nem
João Cabral esperavam. É a diferença contemporânea, enfim, fazendo a diferença
na floresta de símbolos das tradições.
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