(Pedro Salinas)
I
A Voz a Ti Devida/La Voz a Ti Debida, um
dos melhores livros de poesia de Pedro Salinas (1891-1951), está desde agosto
de 2012 no mercado brasileiro em edição bilíngue castelhano-portuguesa, graças
aos esforços de José Jeronymo Rivera (1933), que se tem destacado como um dos
grandes tradutores das poesias espanhola e francesa para a Língua Portuguesa.
Lançado pela Thesaurus Editora, de Brasília, a edição traz um extenso e
elucidativo ensaio à guisa de prefácio, “Pedro Salinas e La Voz a Ti Debida”, de autoria do escritor e professor José
Antonio Pérez-Montoro, assessor cultural da Embaixada da Espanha em Brasília e
tradutor de autores brasileiros para o espanhol, além de apresentação do poeta
João Carlos Taveira, notícias biobibliográficas do autor e do tradutor e texto
de contracapa do poeta Anderson Braga Horta.
Para
quem desconhece a história da Literatura Espanhola, é preciso que se diga que
Salinas fez parte da Geração de 27, que inclui, entre outros, Rafael Alberti
(1902-1999), Jorge Guillén (1893-1984), Luis Cernuda (1902-1963), Vicente
Aleixandre (1898-1984) e Federico García Lorca (1898-1936), o mais famoso
deles. E que A Voz a Ti Devida é o
seu título mais conhecido, sendo considerado o melhor livro de poesia amorosa
do século XX da Literatura Espanhola, na opinião de muitos estudiosos. Esta
bela tradução, portanto, é uma homenagem que as letras brasileiras deviam à
memória de Salinas e à Literatura Espanhola.
Graduado
em Direito, Letras e Filosofia, Salinas dedicou-se à docência universitária. De
1914 a 1917, atuou como leitor de Espanhol na Sorbonne, em Paris, onde se
doutorou em Letras. De sua afinidade com a cultura francesa resultou a vontade
de traduzir para o espanhol Em busca do
tempo perdido, de Marcel Proust (1871-1922), tarefa que não chegou a
concluir, tendo vertido alguns volumes.
Depois,
Salinas ensinou na Universidade de Sevilha e, em 1922-23, em Cambridge. Passou para a Universidade de Múrcia e, em
seguida, para a de Madri. A guerra civil espanhola o obrigou a mudar-se para os
Estados Unidos, onde passou a lecionar na Universidade Johns Hopkins, em
Baltimore. Em 1943, transferiu-se para a Universidade de Porto Rico, mas
reassumiu mais tarde a cátedra na Johns Hopkins. Morreu em Boston e está
sepultado em San Juan de Puerto Rico.
II
A Voz a Ti Devida é um poema longo e
unitário e não uma antologia de 70 poemas, como se pode supor a princípio.
Inclusive, na Espanha, houve uma edição póstuma da obra completa do autor que
trouxe alguns poemas deste livro com títulos, o que nunca foi a intenção do
poeta.
É
preciso que se diga também que Salinas é um poeta modernista, na acepção
espanhola do termo, o que não corresponde à brasileira. Está ligado à Belle Époque e, no Brasil, o seu fazer
poético corresponde ao Parnasianismo e ao Simbolismo, o que nada tem a ver com
Mário de Andrade (1893-1945) e seus modernistas. Mesmo assim, a sua poesia já
se apresenta livre das amarras da rima, embora siga a métrica, para manter o
cômputo silábico, como observa José Antonio Pérez-Montoro no estudo
introdutório.
Trata-se,
portanto, de um poeta ao mesmo tempo clássico e moderno, como ressalta na
apresentação João Carlos Taveira, lembrando que o poema A Voz a Ti Devida é quase todo construído em versos de seis sílabas
e redondilha maior, com pouquíssima utilização da métrica decassilábica. Aqui,
ao contrário do que fez em outros livros, Salinas nunca recorre ao verso livre.
Eis aqui um exemplo da poesia de Salinas, exatamente a parte final do poema, na
tradução bem medida de José Jeronymo Rivera:
(...) Ouves como elas pedem realidades,
elas,
descabeladas, feras,
elas, as
sombras que nós dois forjamos
neste tão
grande leito de distâncias?
Cansados já
de infinitude e tempo
sem medida,
do anônimo, feridas
por imensa
saudade de matéria,
pedem
limites, dias, nomes.
Não podem
viver assim,
não mais; estão à beira
do desmaiar
das sombras, que é o nada.
Acode, vem
comigo.
Estende as
mãos, estende-lhes teu corpo.
Os dois lhe
buscaremos
uma cor, uma
data, um peito, um sol.
Que descansem
em ti, sê tu sua carne.
Calmar-se-á
seu grande ansiar errante,
enquanto
ávidamente
as
estreitamos entre os corpos nossos
onde
encontrem seu pasto e seu repouso.
E dormirão enfim em
nosso sono
abraçado,
abraçadas. E assim logo,
ao
separar-nos, ao nutrir-nos só
de sombras,
em distâncias,
elas
terão
lembranças já, terão passado
de carne e
osso,
o tempo que
viveram dentro em nós.
E seu sono
afanoso
de sombras,
outra vez, será o retorno
a esta rósea
e mortal corporeidade
onde inventa
o amor seu infinito.
III
Quem
compulsa a tradução e o original pode enganosamente atribuir ao tradutor neste
caso um trabalho fácil. É que Salinas não é um poeta rebuscado; pelo contrário,
busca a singeleza como ideal. Por isso, encontrou em Rivera um “poeta
disfrazado de traductor”, na perfeita definição de Pérez-Montoro, ou seja, o
interlocutor certo não só pelo conhecimento que tem da língua espanhola como
pelo respeito que devota à sintaxe original.
Como
bem observa o poeta Anderson Braga Horta, Rivera tem dado uma contribuição
inestimável ao enriquecimento das letras nacionais com criações originais de
outras línguas, como é bom exemplo a tradução que fez de Gaspard de la Nuit, de Aloysius Bertrand (1807-1841). Sem contar as
versões que fez do português para o castelhano, algumas já publicadas em Poetas Portugueses y Brasileños de los
Simbolistas a los Modernistas, obra organizada pelo professor José Augusto
Seabra (1937-2004), ao tempo em que era embaixador de Portugal em Buenos Aires,
publicada pelo Instituto Camões. Traduziu também poemas do belga Émile
Verhaeren (1855-1916), de quem tem previsto para enviar ao prelo a versão de Les Heurs. Traduziu ainda o clássico Rimas, de Gustavo Adolfo Bécquer
(1836-1870).
Engenheiro,
economista e administrador, Rivera foi professor universitário e de ensino
médio. É membro da Academia de Letras de Brasília. De sua lavra, publicou Aprendizado de poesia: 1951-1953
(Brasília: Thesaurus Editora).
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A VOZ A TI DEVIDA, de Pedro Salinas. Tradução de José Jeronymo Rivera.
Brasília: Thesaurus Editora, 2012, 208 págs. E-mail: editor@thesaurus.com.br Site:
www.thesaurus.com.br
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(*) Adelto Gonçalves, mestre em Letras na área de
Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor na área
de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002), Bocage - o Perfil Perdido
(Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio
Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012), entre
outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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