Seria melhor voltar para casa. Mais cedo ou mais
tarde, ao mergulhar nas águas sulfurosas do seu romance-rio, todo leitor de
Proust repete essas palavras premonitórias da duquesa de Létourville. De fato,
seria mais tranqüilo ficar em casa, protegido pelo hábito, do que perder-se
nessa Busca labiríntica laboriosamente construída por um asmático.
Guiado pelo instinto que aclara a obra, Proust
sente o prazer do real capturado pela imaginação. Criou Bergotte, escritor
cujas frases elegantes não teriam sido evidentemente possíveis sem fundas
sondagens interiores e, ao fazê-lo, revelou-se um escritor diferente dos outros
escritores que pareciam profundos por não escreverem tão bem. Sintetizou o
realismo como uma reação à arte até então admirada e percebeu que, em
sociedade, as novidades só horrorizam quando não são assimiladas.
Escritor impressionista, um raio do poente
sugere-lhe instantaneamente uma época esquecida de sua infância em
Illiers-Combray, no quarto-útero de sua Tia Leónie, eternamente recostada com a
sua hipocondria sobre travesseiros macios, embebendo o pedaço de madalena no
chá de tília, num gesto ritual que deflagra, postumamente, a memória
involuntária de Marcel, para quem um livro eivado de teorias é como um objeto
com etiqueta de preço.
No cinema proustiano, a arte tátil,
fragmentária, prescinde de manifestos. Prisioneiro em seu quarto forrado de
cortiça, sufocado pela asma e fumigações, Proust trabalha com a atitude modesta
de quem não exige salário, porém o faz com a satisfação irritante de um doente
a gabar-se de boa saúde, ao experimentar o prazer de descobrir coisas ridículas
– um dos privilégios do artista, expresso no olhar circular de Proust, um autor
que conheceu a noturna solidão dos leitores e a magia ilusionista da
literatura.
Era contra a arte popular, ideia – como a da
arte patriótica –, ainda que não fosse perigosa, lhe parecia sumamente
ridícula. Predestinada a satisfazer o ócio e a curiosidade desses senhores que
freqüentavam o Jockey Club e se compraziam em espionar através do folhetim
literário o pitoresco da pobreza. Como os pobres, por sua vez, espionam a vida
dos ricos.
Proust compreendeu que os livros verdadeiros se
geram não na diurna luz e nas palestras, mas no escuro e no silêncio. Disso resulta
a diabólica acuidade proustiana na composição de personagens como o Barão de
Charlus, paralítico e polido, reduzido em sua capacidade de fazer o mal; sem
dispor dos meios necessários para exprimir a maldade, parecia bom ao limitar-se
a enumerar longamente todos os membros da família ou de suas relações de
amizade, há muito falecidos, satisfeito de sobreviver-lhes. Assim, através da
morte alheia, tomava consciência de sua própria vida.
Distinguiu os homens entre tolos completos e os
completos gozadores e intuiu que o telefone é o símbolo das comunicações que
nunca se realizam. Tinha a impaciência dos homens inteligentes demais. E
inquiria como um velho que, sem memória, pede de vez em quando notícias do
filho morto. Não teve a tentação de produzir as mesmas obras que admirava.
Parodiou-as com o prazer egoísta do colecionador.
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