“Atrás das vidraças / sujas da poeira / da rua // protegidos / e isolados / da poeira / da vida // escondidos / e transfigurados / na poeira / do tempo // guardados / e revelados / na poeira” (Pedro Du Bois)
Na janela discreta está a marca do tempo, na paisagem e no vento. O Sol brilha
e a Lua se esconde entre nuvens. A poeira se desloca para todos os lados e com
movimentos circulares se espalha. Mas o que importa é o que o vento traz ou o
que revela do tempo onde se repete em palavras. A palavra é força da natureza
que, uma vez articulada, vira ação. Segundo Mia Couto, “Varrer as avessas:
em vez de limpar os caminhos, espalhávamos sobre eles poeiras...”
Todos têm uma essência, bagagem que vem das experiências vividas e trazidas
pelo vento que, ao circular, faz a conexão com a dinâmica de quem vive:
como símbolo, opera fazendo a ponte entre o mundo e a consciência, refletindo o
modo de viver. Nas palavras de Donaldo Mello, “... Das sombras do passado,
pó / ao futuro do presente: vida...”
A poeira trazida por ventos fortes vibra de tal modo que desperta a consciência,
criando a expectativa, não como força libertadora, mas como algo que estamos
vendo pela primeira vez; como em Pedro Du Bois, “...o vento traduz / o
tempo / rápido / em retrospectos / e revoltas // avança e retrocede / vidas não
escamoteadas / do corpo dolente contra a parede / onde os olhos refletem o
todo...”. Sentir o vento e decifrar o seu significado é a opção que traduz
o desejo e o poder da palavra, como a poesia ao evocar a mágica do encantamento
indo além da razão, que Jorge Tufic exemplifica da sua janela poética, que “A
poesia é singular / e excludente: quanto menos / folhagem, mais fruto”.
Através da janela discreta ventos
trazem a poeira e junto o horizonte, o que nos possibilita repensar o mundo e
transformar o pensamento em expressão poética, como em Laura Esteves, “A
poeira espanta o meu cotidiano. / A poeira sobe, se esparrama / e brilha à luz
do sol...”
A poeira é a expressão do tempo na transgressão da história, no desenvolvimento
e nas mudanças. Sentir a poeira é vivenciar o processo em nossa história
pessoal, reveladora no seguir o olhar; dar razão à emoção e partilhar cada
mistério. Júlio C. Peres escreveu que “Luto com a poeira.../ Quando menos se
espera / lá está ela: / ... sobre o meu trabalho abandonado // ... A me chamar
a atenção / sobre tudo o que devia / ter feito / e que até então / não me veio
inspiração...”
A poeira pode ser a esperança por mais e mais histórias, para dar um panorama à
vida. Somos sensíveis, criativos e singulares no que a poeira traz em outros
amanheceres onde deixa a sua marca.
Na janela discreta, ao longo do tempo, descobrimos que a vida passa por todos
os sentidos e sentimentos, restando apenas o pó como referência do homem para o
entendimento do seu limite. Mário Quintana, expressa: “Quando eu for, um dia
desses, / Poeira ou folha levada / No vento da madrugada, / Serei um pouco do
nada / Invencível, delicioso...”
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