(Nota de esclarecimento: se se fizer uma pesquisa, uma busca na Internet, constatar-se-á a ausência de contos de alguns dos melhores contistas brasileiros. É o caso de Moreira Campos. O que não é justo. Embora haja a lei dos direitos autorais. Mas divulgar a obra de escritores como ele não pode ser crime. Vejamos, pois, um de seus contos. Nilto Maciel)
A cidade repousava na paz dormente da tarde. Redemoinhos. Carneiros que ruminavam à sombra da igreja. Outros animais pastavam na praça principal, que o mato ia farto naquele fim de águas. De repente, o relincho do jumento cortou o espaço, vibrante, sincopado, sacudindo concentrações. Jumento só relincha em hora certa. À larga sombra do oitão na casa da esquina, Seu Manduca, farmacêutico, concluiu o lance no tabuleiro do gamão e consultou o relógio: vinte para as cinco. Inesperado! Um erro qualquer de cálculo. Novo relincho, houve tropel de cascos. Já o jumento se desembainhara: lança em riste, reluzente, sugestão de um bacamarte boca-de-sino. O beiço superior dobrado, em cheiro de sexo ou de cio, um fauno. A jumenta, nova, um mimo de ancas, talvez ainda intocada, atirou-lhe logo uns dois pares de coices na queixada, de que ele se livrava com dignidade e firmeza. Insistiu em mordê-la no pescoço. Novos coices, toda uma beleza de mocidade. Qualquer coisa, pela própria violência e rápidas entregas e negaças, a lembrar a festa necessária do sexo. A arma poderosa erguia-se lenta contra o peito do próprio jumento, como que se acamando, em pancadas repetidas, mola, alavanca para grandes pesos. Perseguia a fêmea, tentou cavalgá-la, escorregou. D. Esmerina, da janela de casa, a vista curta, apertava as pálpebras, num esforço de verificação. Pressentiu coisas. Mandou que a neta entrasse, menina de doze anos. Sinha Terta parou no meio da praça, equilibrando na cabeça a trouxa de roupa, seduzida, esquecida de tudo. No bilhar de Duca, os homens abandonaram o jogo e, do alto da calçada, bateram palmas:
– Eita, cabra macho!