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domingo, 31 de março de 2013

Ilusão (Inocêncio de Melo Filho)





 






Inês viva
Inês morta
Transita na memória
Memória lusitana
E agora que te encontrei
Não sei mais
Se és viva ou morta
Minha inês
Não sei mais se és sonho
Ou se fico acordado
Com os olhos postos em ti
Oh! minha inês
Viva ou morta?

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sábado, 30 de março de 2013

O plagiário (Carlos Nóbrega)











Não imito apenas
os cabelos do meu pai
o nariz da minha mãe:
Tomei-lhes emprestado também
o seu andar
a sua voz
a sua maneira de amar
            e de morrer ...

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sexta-feira, 29 de março de 2013

Eutanásio (Homero Gomes*)





Nunca fui ao proctologista. Só esse nome me dava arrepios. Na sala de espera, parecia que todos olhavam para mim, acusativos. A culpa é toda sua. E a presença de minha filha piorava a vergonha. Mas o jeito era prever o pior. O teste do PSA tremulava nas mãos nervosas.

Há dias estava com dificuldade para urinar. Quando saiu sangue do dito cujo é que procurei um médico. Dizem que isso é coisa de homem. Você se diz machão, mas se arreganha todo quando entra num hospital.

quinta-feira, 28 de março de 2013

“Esconderijos” (Tânia Du Bois)




Esconder-se? Esconder o que os olhos não veem? O que o coração sente na saudade, como a lembrança em busca da incerteza da vida? Que vidas podemos esconder, se cada vez mais ela está à mostra para quem quiser ver, sentir, optar e até mesmo para amar ou sofrer?
            
Nilto Maciel em seu poema Esconderijos retrata a realidade triste que só fica escondida quando nos fechamos para ela: “No corredor o que fazia a infanta? / Por que não ia, não fugia logo / ou não gritava ou não chorava muito?... // Não sou parede ou árvore de Deus, / não tenho ouvidos e não vejo nada, / nem sei me conduzir por onde passo, / e nada posso desejar por elas, / as tais meninas nos esconderijos”.
            

quarta-feira, 27 de março de 2013

Apontamentos para berliques e berloques (Nilto Maciel)




Muitos de meus contos surgem num repente, inteiros, bloco informe, pedra bruta. De posse deles, conduzo-os à oficina, lavo-os, lapido-os. Outros vêm aos pouquinhos, em gotas ou poções. Aparecem sorrateiramente, ou se anunciam de longe. Aproximam-se de mim e, quando cuido, estão instalados em meus dedos, em meus olhos, em minha cabeça. Aceito-os como filhos ou mimos (não sei quem os manda). Muitas vezes, achegam-me apenas uma ideia, um esboço, uns traços de figuras humanas, fiapos de enredo. Rumino tudo isso (se estiver prestes a dormir ou mesmo em sono profundo) e, no dia seguinte, realizo o traslado das “informações”. Assim fiz, dia desses. Acordei, vislumbrei réstias de sol pela janela encoberta por cortina, sentei-me à beira da cama e caminhei para o banheiro. Entrei em transe, vaguei, cego e desorientado, até a mesa onde vive o computador, e debuxei a mensagem, quase na íntegra: “Personagens: Artur, o marido, 33 anos, engenheiro, viajava de 15 em 15 dias para alto-mar. Falava pouco, trancado quase todo o tempo no que chamava de escritório. Tudo isso deixava Júlia muito apreensiva, nervosa até. Júlia, a mulher, 28 anos, vivia em casa (tinha sido professora na cidade), filha de pequeno comerciante, sem filhos, vaidosa, caixa de madeira cheia de berliques desde que a avó lhe dera os primeiros brincos: berloques, penduricalhos, badulaques, pingentes. Anastácia, menina de oito anos, filha adotiva do casal (deixar isso bem obscuro até o final), meio espantada, alheia, a andar pelos recantos escuros, pelos matos, a contar histórias misteriosas de caixinhas de madeira, de pássaros mudos e invisíveis, de carruagens em trânsito pela estrada. Na verdade, filha de Artur e de Sabrina (mulher do caseiro), quando Júlia teve aborto e nunca mais engravidou. Então Artur conheceu Sabrina (ainda solteira, menor de 16 anos) e lhe prometeu vida boa, se lhe desse um filho. Nasceu uma menina (imediatamente levada a Júlia) e depois se arranjou o casamento de Sabrina com Lucas. Para sacramentar a união, foi-lhes oferecida uma casa, dentro da propriedade. Geraram três seres. Casa de boa aparência, com água encanada, banheiro, três quartos. Lucas cuidava dos cavalos e vigiava a propriedade. Andava armado”.

terça-feira, 26 de março de 2013

Sobre Cassas (W. J. Solha)





 (Luís Augusto Cassas)

          A Imago lançou no ano passado em dois volumes que somam cerca de 1400 páginas A Poesia Sou Eu, de Luís Augusto Cassas, com toda a sua poesia reunida. Sob a égide do São Luís do Maranhão e juntando um catolicismo apaixonado e barroco a um profundo amor à cidade igualmente antiga Cassas vem construindo uma obra que eu desconhecia e que agora me causa assombro, pelo volume e pela qualidade. Na sua dedicatória, ele me disse que me mandava sua vida "tornada verso". E tem razão. Sente-se, no correr dos anos, uma personalidade poética que começa já excelente e que vai, lentamente, se desvencilhando das influências e se tornando única, o que me parece ter acontecido na realização de "Em Nome do Filho: Avento de Aquário"  lançado em 2003, quando o autor completava 50 anos. Alguma coisa do que li deixo para reler daqui a um ou dois anos se viver o suficiente pois me lembro de que quando comprei, há... séculos... um disco em que havia, de um lado, a Tocata e Fuga em Ré solo de órgão  e, do outro, a Chacona da Partita número 2 em Ré Menor solo de violino, deslumbrei-me com a primeira e abominei a outra, cuja beleza levei muito tempo para assimilar. Digo isso porque um poeta como Cassas supera em muito um leitor como eu como Bach me supera e eu jamais ousaria dizer do autor da Paixão Segundo Mateus, dos Concertos Brandenburgueses ou das Variações Goldberg  "não gosto disto e daquilo, dele", porque sei que foi Bach, naqueles momentos, que me deixou demasiado pra trás e que o que tenho a fazer é correr atrás do prejuízo. Claro que a monumentalidade do que alcancei na poesia do maranhense é tanta que me permite a ponderação. Que maravilha vê-lo dizer que sua cidade o nomeia "fiel protetor / das pedras do nosso chão" e seu "defensor perpétuo e lírico". Imagino que, de certo modo, um maranhense acompanhe essa obra com intensidade ainda maior do que a que me chegou. Em compensação, recebo-a no restrito campo do universal, como a Dublin de Joyce, a Londres de Virginia Woolf, o Recife do Kleber Mendonça Filho, a Mannhatan de Woody Allen e Gershwin, a Delft de Vermeer, e isso é mais do que suficiente.
          "Pedra nossa/ da rua do giz / santificai/ são luís".

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segunda-feira, 25 de março de 2013

Sons (Pedro Du Bois)











Escuto no som
a constância
com que se repete:

     água contra a vidraça
     olho o escuro
     da noite. O relâmpago
     rasga a imaginação
     em medos

esqueço o poema
e me lanço
ao encontro: encurto
a distância e o som
resta lamentos.



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domingo, 24 de março de 2013

Quadrinhas (Silmar Bohrer)












Muitas ideias recidivas

têm andado me rondando,

algumas são coercitivas,


acabam me machucando.



lampejo: 

tantos querem tanto

eu me contento

com caneta e papel



Uma noitinha como tantas

daquelas noites estivais,

cantorias, as percantas,

e os ventinhos medicinais. 

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