As
pessoas de poucos rabiscos (ou nenhum) costumam agredir as mais fecundas e
dedicadas ao exercício de alinhar palavras (chamam-nas corretamente de prolíficas,
mas querem mesmo é achincalhá-las) com frases assim: “O que vale é a qualidade;
quem redige muito, o faz porque ainda não encontrou o próprio caminho”. Não
vejo assim. A maioria dos bons escritores criou para lá de uma dezena de obras.
E mais teria feito, se mais longa vida tivesse tido. Citemos apenas uma dúzia
(só brasileiros do final do século XIX até o XX): José de Alencar, Machado de
Assis, Aluísio de Azevedo, Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Graciliano
Ramos, Cecília Meireles, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Clarice
Lispector, João Cabral de Melo Neto, Lygia Fagundes Telles. Poderia mencionar dezenas
de dúzias, mas diriam os incansáveis intrigueiros: “Ah, esses não são
titulares, são do time reserva”. Enquanto isso, contam-se nos dedos os
escritores de obra escassa (um ou dois livros pequenos): Augusto dos Anjos é o
mais famoso deles. Bem conhecido também é
Raul de Leoni. Se se quiser ampliar o número, é preciso dizer que quase todos
morreram jovens, razão pela qual (talvez) conceberam pouco. Cruz e Sousa seria
um deles.
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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Relendo o Conde de Volney (Franklin Jorge)
O pensamento está no cerne da escrita, diz-nos Constantine François, conde de Volney, um desses homens que mais tem pensado.
Visionário
kantiano, autor de um catecismo contendo os princípios físicos de moral
extraídos da organização do homem e do universo, desejava que o seu livro – A Lei Natural – viesse a tornar-se de
leitura universal na Europa.
Sempre
me atraíram os pensadores e os moralistas que nos estimulam a pensar e,
sobretudo, a duvidar metodicamente, com paixão e constância, pois, afinal,
sensatez de espírito quer dizer retidão, preleciona o conde, acrescentando que
o preceito do Evangelho é o mesmo que o da natureza.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Americanos (Paulo Lima)
Para Karen Gadient
As
casas, uma pequena fileira de cinco ou seis, eram brancas, feitas de madeira e
rodeadas por cercas baixas – também de madeira. As portas e janelas tinham
telas de proteção contra mosquitos, e abriam para fora.
Ficavam
no alto de um conjunto de dunas a caminho da praia. A brancura das dunas
ajudava a realçar a solidão daquelas casas, em vez de ocultá-las.
A
gente observava de longe, como se fosse uma aparição do outro mundo. E era de
fato de um outro mundo.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Uns sujeitos na praça (Nilto Maciel)
Sentou-se um sujeito num banco de praça. Tanto à
frente, como atrás e aos lados havia casas de fachadas bonitas e antigas.
Viam-se cornijas na parte superior de portas e janelas; canos, em forma de
jacaré, no alto, por onde escorria a água da chuva. Ao centro do largo, uma
estátua em homenagem ao fundador da cidade. Nome pomposo e nobre (conde fulano
de tal, barão disso e daquilo), datas de nascimento e morte. Havia um bigode
enorme na cara da figura. O homem vestia paletó sem data, eterno. Passou um
cão, que olhou de soslaio para ele e seguiu no rumo do vento. Talvez andasse à
cata de comida ou de cadela. Ou apenas andasse, como qualquer andarilho. Mais
adiante, um garoto saltitava, corria, gritava, sob os olhares da mãe. Sim, da
mãe, pois o pequeno de vez em quando clamava: “Olha, mãe, como sei pular”.
Noutro momento, uma garota sentou-se num banco defronte ao do cidadão. Trajava
saia colorida, blusa listrada, ora cantarolava, ora afundava os
dedos nos cabelos longos e loiros. Certamente pensava no valete de ouro,
imaginava beijos e abraços e uma noite cheia de suspiros, bolos, amêndoas. Uma
carroça estacionou numa das vias. O carroceiro deixou o animal amarrado ao
tronco de uma árvore e se retirou. O cavalo abaixou a cabeça e se pôs a lamber
o chão. Teria fome ou seria apenas hábito aquele gesto de fuçar o solo? Um
casal de velhinhos apareceu à esquerda do isolado pensador, a caminhar
lentamente diante de seus olhos. Falavam da necessidade de estarem de volta ao
lar, antes do anoitecer. Que teriam a fazer de tão importante em casa? Por que
não passeavam mais, de mãos dadas, antes que fosse tarde demais?
Uma fileira de formigas se formou aos pés do indivíduo. Quem as comandava? O
que pretendiam? Certamente construíam uma cidade debaixo daquela praça antiga.
As árvores esverdeavam os olhos das pessoas e os vidros. Mais um ou dois meses
e estariam ressecadas, amareladas, estioladas. Não fazia muito calor. Nem frio.
Parecia agradável a animais e humanos a tarde. A praça aparentava
tranquilidade, como no dia anterior, no mês anterior, no ano anterior, nos anos
idos.
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Uma noite viúva da Lua (Clauder Arcanjo)
Para
Ronaldo Cagiano
...
A tarde se despedia, lentamente e sem a bênção do sol. O céu estava encoberto
por nuvens bojudas, e estas como se abraçadas com o manto grosso da melancolia.
Em volta da copa das árvores, o prenúncio pior: a revoada de pássaros —
canoros, mas quietos; esquisitamente de bicos mudos.
sábado, 23 de fevereiro de 2013
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
A nova literatura brasileira – 1 (Francisco Miguel de Moura*)
É preciso considerar que muitos autores estão surgindo dentro dos Estados do Nordeste e até nos do Centro-Sul e que não são divulgados. E merecem as honras de nomes nacionais, suas obras são realmente excelentes. Ninguém sabe por que motivo a imprensa e a mídia os trocam por “valores” duvidosos, sem leitores e sem crítica que os suportem, que ficam encalhando as livrarias, os supermercados e até as bancas de jornal. Ou será que os leitores e os críticos que não moram nos grandes centros não têm competência? Isto é o que eu chamo julgar uma obra pelo simples fato de o endereço do Autor não estar numa grande capital como Rio e principalmente São Paulo. Verdadeiro absurdo, verdadeiro contra-senso! É inversão de valores.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
O homem desoriental - VII (Mariel Reis)
(Henri Matisse, A alegria de viver)
Ela desperta do sono
Coberta de pedrarias invisíveis
Vestida com a túnica sutil
Do meu desejo.
Os seios apontam para o horizonte
Com a ânsia de expandir-se;
O ventre de penugem escassa
Uma larga planície.
Lá semeio meu tesouro.
Ela desperta do sono
Coberta pela gaze fina,
As partículas do dia
Intrometem-se em sua pele.
O sol vem para sua companhia
Enquanto despede-se do resto de sono;
Ela brilha como as pedrarias invisíveis
Que lhe recobrem a nudez – sua única veste.
/////
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Eça de Queiroz, moralista ou devasso? (Adelto Gonçalves*)
I
Não foram poucos os críticos e leitores menos desatentos que viram em Eça de Queiroz (1845-1900) um misógino de mão cheia. Motivos não faltam ao longo de sua obra e mesmo em sua correspondência com amigos, especialmente com Ramalho Ortigão (1836-1915). De fato, em muitos de seus romances e contos, são freqüentes palavras pouco lisonjeiras que dirige ao sexo feminino. Sem contar que a suas heroínas quase sempre reserva um final trágico, talvez como forma de punição a quem não soubera superar ou controlar os furores do sexo.
Não foram poucos os críticos e leitores menos desatentos que viram em Eça de Queiroz (1845-1900) um misógino de mão cheia. Motivos não faltam ao longo de sua obra e mesmo em sua correspondência com amigos, especialmente com Ramalho Ortigão (1836-1915). De fato, em muitos de seus romances e contos, são freqüentes palavras pouco lisonjeiras que dirige ao sexo feminino. Sem contar que a suas heroínas quase sempre reserva um final trágico, talvez como forma de punição a quem não soubera superar ou controlar os furores do sexo.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Um hiperbóreo chamado Oleg Almeida (Nilto Maciel)
(Oleg Almeida)
Em janeiro deste ano, ganhei muitos livros. Explorei quase todos, sem
deixar de me devotar à copelação de um conto (imaginado recentemente), a
anotações em meu diário, à revisão de Gregotins de
desaprendiz (a sair, pela Editora Bestiário). Sim, tocaiava-me atrás de outros
tomos e vivia (isto é, não lia nem escrevia). Não me queixo de tantos afazeres.
Afinal, não sou vagabundo nem milionário. Como tenho me recusado o ofício de
crítico e, até mesmo, de resenhista de meia-tigela, leio, faço anotações à
margem de alguns impressos e solicito ajuda a meus alunos. Muitas vezes, me
devolvem os compêndios sem a leitura completa deles. Alegam não ter tido ânimo
para examinar todas as páginas. Semana passada, pedi-lhes mais um favor:
mergulhassem em algumas dessas obras. Entreguei a Luciano
de Barros Memórias dum hiperbóreo (Rio de Janeiro, 2008), e a
Tamara Sobral, Quarta-feira de cinzas e outros poemas (Rio de Janeiro, 2011), ambos de
Oleg Almeida. “Leiam, sem pressa e se tiverem gosto. Se for possível,
comentaremos as duas publicações na próxima aula”. Ontem compareceram à minha
casa. Como de outras vezes, Luciano trouxe (como se se tratasse de coisa) Paulo
Veronese, que não é meu aluno, mas também gosta de literatura. Com Tamara veio
Genésia Jacó.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Concurso de minicontos
REGULAMENTO
QUAL É O OBJETIVO DESSE CONCURSO?
O
gênero de nano-micro-mini contos está crescendo a cada dia mais, diante dos
novos meios tecnológicos de postagens instantâneas, como o Facebook e o SMS,
por exemplo, e da necessidade da praticidade nos dias de hoje. Não obstante
essa praticidade, criar um miniconto é um exercício árduo, que exige
criatividade e sintetismo. Logo, o objetivo desse certame é estimular a criação
de minicontos na língua portuguesa, reforçando ainda mais esse momento
literário dos dias atuais, descobrir e publicar novos talentos da área.
A última cabra (Carlos Nóbrega)
Desde quando o sol é mundo
o sertão arde. São 3 h da tarde
E é tarde.
Uma família arrodeada de nada
não espera mais sob o azul sem sombra,
o azul profundo que não chega ao poço:
Nada chega ao poço.
As nuvens se retiram como o milharal se retirou.
Uma cabra se lembra da água
em sua própria boca.
A família a espreita,
e o tempo é comprido
como um dia de fome.
/////
domingo, 17 de fevereiro de 2013
Sem saída (W. J. Solha)
(W. J. Solha)
Há
poucos dias vi entrevista de Affonso Romano de Sant´Anna, em que ele falava
sobre a situação da literatura brasileira contemporânea, com várias de nossas
grandes editoras compradas por outras, europeias, todas tendo como meta colocar
aqui seus autores, que já vinham com grande divulgação de seus países de
origem. Claro que isso tem a ver com o fato de que há anos não consigo emplacar
um livro numa delas, sendo que para ver publicados quinhentos exemplares, por A Girafa, de São Paulo, meu romance Relato de Prócula, que recebera uma das
dez bolsas de incentivo da Funarte no ano anterior, tive de desembolsar dez mil
reais. Confirmando que a situação da editora estava péssima, conforme me
dissera o José Nêumanne Pinto, ela quebrou em seguida e seu estoque passou para
a Escrituras. O Tarcísio Pereira, com seu excelente romance O Autor da Novela, obteve a mesma bolsa,
dois ou três depois, e até hoje está inédito.
sábado, 16 de fevereiro de 2013
A modelagem Carioca (João Soares Neto)
O
Professor José Osvaldo Carioca me propõe uma tarefa difícil: discorrer,
analisar ou ensaiar o seu escrito – futuro livro – “O Cérebro, a sua Mente e a Consciência”. O que eu sei disso? Li
todas as páginas, cocei a cabeça e me deparei com outra afirmação que me meteu
medo: “Modelagem inusitada sobre a
fisiologia do cérebro e da sua mente. Uma base científica para a consciência”.
Ora, se é inusitada para quem mexe com ciências exatas, imagina para quem pouco
sabe das humanas.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
Inexistir (Pedro Du Bois)
A pedra
em sedimentos
petrifica
a ideia
da vida
em movimento
(rola pelas ribanceiras
explode em dinamites)
a pedra sabe da inexistência
do homem como ser.
/////
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